‘Aço Verde’ pode trazer efeitos colaterais ao Brasil

Data: 09/11/2009

‘Aço Verde’ pode trazer efeitos colaterais ao Brasil


Apesar da indefinição em torno de qual será a posição brasileira na Conferência do Clima em Copenhague, em dezembro, o governo adiantou nesta semana que entre as propostas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa está o incentivo a siderurgias para produzir o chamado “aço verde”.

A idéia, apresentada pela ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, na terça-feira (3/11), é fazer com que as siderúrgicas passem a usar carvão vegetal de reflorestamento feito pelas próprias empresas ao invés do carvão mineral para produzir energia. As plantações seriam apenas de espécies exóticas, como o eucalipto, e as indústrias teriam que substituir 100% sua fonte energética para ganhar esta denominação.

Não seria criada uma lei, mas sim firmado um acordo com o setor baseado na concessão de incentivos. “Seria muito mais no sentido de criar incentivos financeiros, incentivos de todas as formas, inclusive essa percepção de que [o produto"> é competitivo lá fora. Um aço carimbado de verde tem outra característica”, afirmou Dilma à Agência Brasil.

Os benefícios para a redução de gases do efeito estufa são claros, contudo, a expansão de projetos de monoculturas de árvores, principalmente pinus e eucalipto, podem trazer conseqüências sociais e ambientais indesejadas.

“O Vale do Jequitinhonha tem uma das maiores áreas contínuas de plantação de eucaliptos e ao mesmo tempo tem os piores índices de desenvolvimento humano do Brasil”, afirma Marcelo Calazans, coordenador da FASE Espírito Santo, ONG que integra a Rede Latino Americana contra Monocultivos de Árvores (RECOMA).

Calazans explica que tal medida geraria uma maior demanda por áreas para plantações, impactando diretamente a produção de alimentos e as políticas de reforma agrária, além de ser um setor com baixa densidade de mão-de-obra.

Ele cita os prejuízos de monoculturas de eucaliptos para a cidade capixaba de Conceição da Barra, onde 68% do território é coberto por tais plantações. “A cidade é um excelente lugar para mostrar as terríveis conseqüências sociais. Possui um dos piores indicadores sociais do estado, mais de 100 córregos desapareceram e populações afro-descendentes (quilombolas) tiveram que deixar suas terras porque não conseguiam sobreviver rodeados por eucaliptos”, afirma.

Entre as consequências ambientais, ele cita o empobrecimento do solo causado pelos eucaliptos, já que absorve um grande volume de água para crescer; as dificuldades de convívio de outras espécies em áreas próximas, já que as folhas que caem das árvores no solo agem como um forte herbicida, e a dificuldade de reconverter tais áreas no futuro, devido à alta capacidade de rebrota desta espécie.

Segundo o Centro europeu de Investigação e Documentação do Eucalipto, o Brasil possui a maior extensão de áreas plantadas de eucalipto do mundo, com cerca de quatro milhões de hectares (21% do total). Calazans estima que sejam 5,5 milhões de hectares o total brasileiro, com grande concentração no estado de Minas Gerais (dois milhões de hectares), e com uma forte expansão no sul do Pará, oeste do Maranhão e norte do Tocantins.

Créditos de carbono

Outro benefício para as empresas que possuem projetos de reflorestamento em países em desenvolvimento seria a possibilidade de obtenção de créditos de carbono. Isto porque as árvores absorvem dióxido de carbono (CO2) da atmosfera durante o crescimento ou podem ser usadas como carvão vegetal nas indústrias, como proposto pelo governo, substituindo assim o carvão mineral que emite muito mais gases do efeito estufa.

E para Calazans, além do marketing, é justamente nestes recursos financeiros que o governo e as empresas siderúrgicas estariam de olho. “O ‘aço verde’ é uma estratégia econômica que tem como objetivo a captação de créditos de carbono, tanto no mercado internacional, que traria um volume grande de recursos; quanto no interno, já que a exploração do pré-sal irá exigir medidas de compensação de emissões que também poderão vir daí”.

O mercado de créditos florestais ainda é bastante limitado, principalmente porque o esquema de comércio de emissões da União Européia, que domina o mercado de carbono global, permite que apenas 1% das reduções de CO2 exigidas para estes países sejam alcançadas com a compra deste tipo de crédito.

O gerente regional da Ecosecurities, Federico Moyano, explica que apenas oito dos cerca de 1,8 mil projetos de redução de CO2 sob o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) são de reflorestamento e aflorestamento, a maioria deles de espécies nativas. No chamado mercado voluntário, que está fora do âmbito do Protocolo de Quioto, estes projetos representam 10% do total, diz Moyano.

Em 2008, o mercado de carbono chegou a marca de US$ 118 bilhões. Mas dados divulgados recentemente pelo braço climático das Nações Unidas sobre as emissões de gases do efeito estufa mostram que os países ricos, que deveriam estar reduzindo as emissões por força do Protocolo de Kyoto, estão caminhando no sentido oposto. As emissões dos países do Anexo I (que tem metas a cumprir) excluindo as economias em transição cresceram 12,8% entre 1990 e 2007.

“Se olharmos para onde vai o aço produzido pelas siderúrgicas no Brasil, grande parte é para a indústria automobilística. Se realmente queremos parar o aquecimento global, nós precisamos um debate muito mais profundo sobre o corte no uso de combustíveis fósseis. Isto pode parecer utópico, mas os cenários das mudanças climáticas estão cada vez mais pessimistas e o mercado de carbono não irá resolver isto”, comenta Calazans.

(CarbonoBrasil)



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